Silvia Friedman - memorial

Em 1974, cursando o último ano de Fonoaudiologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, iniciei minha atividade clínica com pessoas gagas, como estagiária junto a uma especialista no assunto. Juntas ao longo da década de 70, estudamos os trabalhos mais conceituados sobre o assunto e aprimoramos nossa atividade terapêutica.

Nesse período, a partir da vivência com os pacientes, comecei a perceber a gagueira como uma manifestação que não é determinada por disfunções do organismo (pessoas gagas cantam perfeitamente bem, não gaguejam quando falam sozinhas ou quando falam com animais por exemplo), mas determinada por "alguma coisa" que reside na relação do indivíduo como o outro, com a sociedade. Para tentar captar essa "alguma coisa", nos primeiros anos da década de 80 desenvolvi uma pesquisa sobre a relação entre o desenvolvimento da consciência e a manifestação da gagueira.

A pesquisa mostrou que a formação de uma imagem estigmatizada de falante se encontra na raiz da produção da fala com gagueira. Em função dela a pessoa adquire o hábito de preocupar-se com a forma de sua fala e de prever que vai gaguejar. Conseqüentemente, passa a querer controlar a forma de falar para tentar falar fluentemente. Isso, entretanto, desorganiza os movimentos necessários para falar, porque a fala é uma atividade espontânea, ou seja, sabemos falar, mas não sabemos como o fazemos. Assim, vamos produzindo uma palavra depois da outra, dando sentido ao dizer não sendo passível, de antemão, saber que se vai falar com gagueira. Esse modo de funcionar na fala (prever a gagueira, preocupar-se com a forma da fala), faz com que quanto mais a pessoa tenta falar bem, menos alcança esse objetivo e, inversamente, quando não se preocupa com a fala (ou seja, quando não se preocupa com a imagem) flui bem. Isso explica porque pessoas que se consideram gagas podem falar bem em certas condições e não em outras.

O produto dessa pesquisa valeu-me o título de Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e transformou-se no meu primeiro livro, Gagueira: Origem e Tratamento, atualmente em sua 4º edição, pela editora Plexus. Nele, descrevo a origem da gagueira entendendo-a como um sofrimento na forma de falar e aponto, em linhas gerais, a direção de uma abordagem terapêutica que considero eficiente.

Para tornar mais acessível o tratamento proposto, realizei, em 1986, um trabalho terapêutico por cartas, com um paciente que residia em uma cidadediferente da minha. Essas cartas foram publicadas na forma de livro, tanto no Brasil pela EDUC, editora da PUCSP na Espanha pela Promolibro, Valencia, sob o título Cartas com um Paciente - Co-autor. Infelizmente esse livro está com a edição esgotada.

Na segunda metade da década de 80, iniciei um trabalhando como docente do curso de graduação em Fonoaudiologia da PUCSP. Atualmente leciono também nos cursos de Pós Graduação e de Especialização em Fonoaudiologia nessa universidade.

No final da década de 80 desenvolvi outra pesquisa, visando aprofundar as características da abordagem terapêutica da gagueira. Esse trabalho correspondeu ao doutorado em Psicologia Social e transformou-se num terceiro livro, A Construção do Personagem Bom Falante, São Paulo, Editora Summus. Nele, as bases da abordagem terapêutica que proponho para a gagueira está exposta de modo detalhado e fundamentado e a evolução de alguns pacientes é descrita e analisada, mostrando o resultado do processo terapêutico.

A característica principal desse processo apoia-se na idéia de que toda tentativa de ajudar a pessoa gaga a falar fluentemente, recai na manutenção do quadro de gagueira, porque, como vimos, reforça sua tendência a tentar o espontâneo que é desorganizadora da atividade de falar. Sendo assim, no processo terapêutico: 1) visa-se levar o paciente a compreender seu modo peculiar de funcionar no discurso, funcionamento esse que é efeito de sua subjetividade marcada pela imagem estigmatizada de falante; 2) visa-se levá-lo também a compreender as condições sociais que o levaram a esse modo de funcionamento subjetivo, fazendo-o entender seu personagem gaguejante; 3) visa-se ainda levá-lo a compreender e a sentir a produção da fala, a produção dos movimentos de fala, de modo a sentir o esforço que faz ao falar, bem como sentir seu fluir sem esforço; 4) visa-se, finalmente, desenvolver confiança na sua capacidade espontânea de falar, capacidade que já existe, mas não é reconhecida nem valorizada. Essas condições juntas, permitem a construção de si como falante fluente. A proposta terapêutica é assim uma proposta de mudanças na subjetividade, para conseguir mudanças na objetividade de fala e tem dado bons resultados como se pode ver pelos casos descritos no livro.

Paralelamente à trajetória como terapeuta e docente no campo da Fonoaudiologia, no final da década de 70 comecei um envolvimento com a filosofia e a prática do Yoga. Na década de 90 formei-me instrutora de Ashtanga e Kundalini Yoga e passei a dar aulas nessa modalidade.

A articulação entre meu trabalho com gagueira e com a filosofia e as técnicas do yoga se faz evidente quando consideramos que em ambos a harmonização entre o corpo e a mente é fundamental. Ao lado da formação acadêmica, da pesquisa e da prática clínico terapêutica, o Yoga tem sido uma grande fonte de inspiração para a realização do trabalho terapêutico com pessoas que se queixam de gagueira.

Ao longo desses anos tenho publicado, além dos livro mencionados, vários capítulos de livros e artigos científicos, bem com alguns artigos de divulgação em jornais e revistas.

Atualmente, exerço atividades docentes e de pesquisa na PUCSP; atendo pessoas com problemas de fluência em todas as idades, em consultório particular e no Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica ¯ CEFAC (onde coordeno o trabalho com um grupo de pessoas adultas com gagueira e supervisiono o atendimento individual de fonoaudiólogos a crianças e adolescentes como problemas de fluência); dou aulas de Yoga numa organização chamada Vida de Clara Luz.