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Qual a causa da gagueira?

A gagueira não tem uma causa direta. Ela se constitui a partir de padrões de interação em que somente o aspecto verbal da fala é valorizado e a comunicação é desprezada. Exemplo: uma criança diz: de de de de deixa eu pegar outro lá em cima mamãe? e a mãe responde algo como: calma; respira antes de falar; fala devagar; pensa antes de falar. Nessa interação, a) o adulto não deixou a comunicação fluir, porque não respondeu ao que a criança lhe perguntou e b) fez uma referência ao modo como ela falou, sugerindo que ela deveria falar novamente e de outra maneira. Essa sugestão: 1) é muito abstrata para que uma criança possa, efetivamente, saber o que fazer com sua fala; 2) apresenta rejeição ao seu modo de falar; 3) pode fazer com que ela passe a considerar sua fala feia, ruim, indesejável; 4) pode gerar medo e vergonha da própria fala; 5) pode despertar nela o desejo de controlar a própria fala para evitar nova rejeição. Como a fala é uma atividade automática e espontânea, o desejo de controlá-la, associado a medo e vergonha da própria forma de falar, afeta o automatismo produzindo tensões nos músculos da fonação. Uma criança que vivencia repetidamente esse tipo de padrão de interação, poderá construir uma imagem estigmatizada de si como falante e automatizar a necessidade de controlar sua forma de falar, o que, como foi dito, gera tensões nos músculos fonadores, constituindo de uma fala com gagueira.

Qual a essência da gagueira?

Um estado subjetivo de vergonha e medo de falar espontaneamente, acompanhado da previsão de sons, palavras ou expressões que se afiguram como problemáticos, perigosos, impronunciáveis.

O que determina a intensidade e a gravidade/severidade da gagueira?

A intensidade e freqüência da vergonha, do medo e da previsão de lugares perigosos na fala, que podem levar: 1) a fortes travamentos na pronuncia; 2) a não dizer o que de fato se pretende; 3) ao silenciamento.

A gagueira pode ser prevenida?

Sim, a partir do esclarecimento social sobre o efeito das interações em que somente o aspecto verbal da fala é valorizado e a comunicação é desprezada. Também a partir do esclarecimento social sobre o fato de que é perfeitamente normal que a criança disflua muito, porquê, como ela está desenvolvendo seu vocabulário e a sua capacidade de usar as regras da língua falada em seu meio, as palavras ou expressões verbais momentaneamente lhe faltam e ela, sem constrangimento, preenche esse espaço repetindo sons, sílabas, fazendo prolongamentos sonoros e, às vezes, até travando momentaneamente em um som.

Todos os gagos são iguais?

Como pessoas, evidentemente, não se poderia jamais afirmar que todos são iguais, entretanto, do ponto de vista do funcionamento subjetivo ligado à fala, há uma profunda regularidade entre as pessoas que gaguejam, nos moldes do se descreveu acima.

A gagueira é um problema emocional?

Sim, visto que o padrão de fala gaguejado envolve uma imagem estigmatizada de falante que gera sentimentos de medo e vergonha para falar em público, sentimentos de inferioridade em relação a outros falantes, evitação e fuja de situações de comunicação, evidenciando um grande sofrimento emocional ligado ao ato de falar.

A gagueira tem cura?

Se a gagueira, conforme propomos, é conseqüência de um funcionamento subjetivo marcado por uma imagem de mau falante, podemos afirmar que ela sim, ela tem cura. Esta depende da possibilidade de gerar uma imagem de si como bom falante e com isso modificar o funcionamento subjetivo. O texto "Ressignificar a Imagem de Falante" pode dar uma ideia mais clara desse processo.

Quem cuida da gagueira: o fonoaudiólogo ou o psicólogo?

Para cuidar de forma efetiva da pessoa que gagueja o profissional, seja ele de que área for, deve ter estudos especializados sobre a natureza e o tratamento dos problemas de fluência de fala. Por ser um fenômeno que se manifesta na fala/comunicação, está mais afeito ao campo fonoaudiológico e ao seu objeto de pesquisa. A formação especializada envolve conhecimentos sobre anatomia, lingüística e psicologia, porque a gagueira é um problema complexo cuja compreensão envolve, no mínimo, conhecimentos nessas três áreas.

Como se faz o diagnóstico da gagueira?

Dentro da visão de gagueira aqui proposta, para o diagnóstico o terapeuta busca identificar se existe: 1) uma imagem de mau falante constituída; 2) uma imagem de mau falante em constituição; 3) ou uma imagem de mau falante ausente.

Para isso o terapeuta escuta a história do paciente a respeito de sua fala (suas vivências, seus sentimentos, suas sensações, suas estratégias de fala) ao mesmo tempo em que observa seu corpo, sua forma de produzir fala. Quando se trata de crianças quem conta a história são os pais e o terapeuta observa o modo como os pais se relacionam com a criança, o modo como a fala se produz entre pais e criança o corpo da criança e seu modo de produzir fala.

A partir de que idade os pais devem procurar terapia para a criança que gagueja?

De acordo com nossa visão a gagueira pode se instalar a partir do momento em que as pessoas (pais, avós, professores, o próprio falante) interpretam as disfluências de fala como sendo um problema. É essa interpretação que pode levar a criança a constituir uma imagem de mau falante e, consequentemente, a tentar controlar sua fluência, levando-a, assim, ao problema de querer controlar o que é automático. Nessas condições, os pais devem procurar um terapeuta especializado em problemas da fluência tão logo considerem que a criança tem gagueira. O terapeuta os ajudará a entender todo o processo orgânico, linguistico e psicológico envolvido na produção da fala e a entender porque é normal a criança disfluir.

No livro "Construção do Personagem Bom Falante", a senhora fala ligeiramente sobre benefícios da Ioga Nidra, no tratamento da gagueira. Poderia falar um pouco mais aqui, para que mais gente tenha tal informação, sobre esta yoga? Qual a importância dela no trato da gagueira? Qual a diferença desta para as outras yogas?

Começo pela tua última pergunta: não se trata de considerar diferenças entre Yoga Nidra e outros Yogas, visto que Yoga Nidra é uma parte do Yoga em geral que se refere à construção de um profundo estado de relaxamento psicofísico. Para explicar o que é isso vamos partir da compreensão de que Yoga é união.

Esse conceito de união pode ser abordado de diferentes aspectos. Para os fins que aqui são requeridos, vamos enfocar a união entre corpo e mente (entendendo mente como sentimentos e pensamentos) por meio da consciência. Para vivenciar essa união o Yoga Nidra propõe ao praticante a 1) conscientização do corpo, parte por parte, descontraindo, profundamente, cada uma; 2) a conscientização da respiração deixando-a livre, suave e harmoniosa até que o inspirar e o expirar pareçam um único movimento contínuo e 3) a conscientização daquilo que se passa na mente, sentimentos pensamentos e imagens, para não se deixar levar por eles mas sim permanecer com a mente neutra, vazia. Todos os tipos de Yoga trabalham a prática do Yoga Nidra.

A importância do Yoga Nidra no trato da gagueira pode ser entendida se pensarmos que o falante que gagueja, marcado por uma imagem estigmatizada, tem o desejo de controlar o fluir de sua fala. Mas o fluir da fala, não é passível de controle, ele é automático, uma palavra "puxa" a outra e elas vão, por assim dizer, escorregando da boca. Para realizar o controle desejado, o falante passa a antever o lugar em que sua gagueira aparecerá, ou seja, ele sente ou vê que vai gaguejar, sabe que vai gaguejar, a sensação de que vai gaguejar o persegue e isso tensiona os músculos envolvidos na fala produzindo de fato a gagueira.

A partir da prática do Yoga Nidra, ajudo o paciente a tomar consciência do modo de funcionamento de sua mente na produção da fala e na produção da gagueira. Ele começa a perceber e a reconhecer que flui nos momentos em que se deixa falar livremente sem controlar e gagueja nos momentos em que fala antevendo o lugar da gagueira. Isso lhe permite ver/sentir a forte relação entre antever a gagueira e travar musculaturas.

A continuidade dessa prática lhe permite entender que no momento da trava ele pode se concentrar naquilo que está acontecendo no seu corpo, nos seus músculos, em vez de ficar na "prisão mental" formada por: medo de gaguejar, antever a gagueira e tentar evitá-la. A percepção concreta do corpo e dos músculos lhe permite soltar as travas com facilidade.

A terapia proposta pode ser aplicada tanto a crianças como a adultos?

Sim, a abordagem terapêutica se aplica tanto a crianças como a adultos. Em ambos os casos, o objetivo é fazer com que a pessoa recupere a confiança na sua capacidade de falar espontaneamente.

Existe diferença entre o tratamento de crianças e adultos?

Existem muitas diferenças entre o tratamento dedicado a crianças e o dedicado a adultos. Cada idade exige modos de interação e atividades bastante diferentes. Além disso, com relação à disfluência infantil frequentemente o trabalho é apenas com os pais. Se eles mudarem seu modo de ver a disfluência, se passarem a aceita-la, a criança não construirá uma imagem de mau falante e conseqüentemente não se construirá a gagueira. Se a criança já tem uma imagem de mau falante instalada em sua subjetividade, trabalho conjuntamente os pais e a criança, para que, todos possam aceitar que tanto o fluir como o disfluir são partes integrantes naturais da comunicação e possam entender que o foco deve se manter na comunicação entre a criança e os outros e não exclusivamente na expressão verbal da criança.

Como são as fases de sua aplicação?

O princípio norteador é o de construir confiança na capacidade de falar e se comunicar. Para isso a proposta se move em três eixos que se entrecruzam: 1) O desenvolvimento da capacidade de compreender e sentir concretamente tudo o que ocorre no corpo durante o ato de produzir a fala. Isso permite ao paciente reconhecer que sua aptidão para falar está integra; 2) O desenvolvimento da capacidade de compreender e perceber a relação entre o corpo e a mente na produção da gagueira, conforme foi descrito anteriormente, ou seja, por temer e se envergonhar da gagueira passa a antevê-la e ao antevê-la surgem travas, fugas e silêncios. Isso permite ao paciente estar plenamente ciente do modo como se produz a gagueira; 3) O desenvolvimento da capacidade de acolher a gagueira e se dar tempo para que ela ocorra, em vez de se apressar, usar truques e lutar para não gaguejar ou fugir da fala. Isso permite ao paciente mudar radicalmente seu padrão de interação social por diminuir seu sofrimento ao falar e levar a uma comunicação fluida.

Que papel desempenha o meio ambiente para paciente?

Por ter uma imagem estigmatizada de falante o meio ambiente, especialmente o olhar do outro, representa para o paciente um gatilho que dispara seu medo de gaguejar e tudo que daí decorre.

Quanto tempo é dedicado à sua aplicação?

O tempo de terapia depende da maior ou menor flexibilidade mental do paciente. Para adultos, um ano de tratamento, em média, produz mudanças significativas. Para crianças que não tem internalizada uma imagem de mau falante e tem pais receptivos a aceitar a disfluência como parte natural da fluência, um só encontro com os pais pode ser suficiente. Isso já muda bastante quando os pais não aceitam a disfluência como natural o que pode levar a terapia a uma duração indefinida. As crianças com essa imagem internalizada podem melhorar em alguns meses de terapia, mas também dependerão da capacidade dos pais aceitarem seu padrão de fala para uma melhora mais definitiva.

A partir de que número de sessões se podem ver mudanças qualitativas no paciente?

Isso é muito variável porque se trata de uma abordagem subjetiva e, como dito acima, depende da flexibilidade mental do paciente. Quando há flexibilidade pode ocorrer melhora significativa nos dois primeiros meses de terapia.